João é líder, tem uma equipe de desenvolvimento que cuida da plataforma de e-commerce e do aplicativo da empresa.

Há muito estava esgotado, era muito tempo perdido no trânsito, longas horas no escritório e pouco tempo com a esposa e o filho.

Com a implantação do trabalho remoto, durante a pandemia da COVID-19, ele percebeu que estava trabalhando até um pouco mais, já que eliminou as horas semanais de deslocamento, mas se sentia mais energizado, produtivo e criativo.

Ele achava que eram as caminhadas que passou a fazer com seu filho, pois queria cuidar melhor da saúde e não tinha recursos para comprar (nem lugar para colocar) um equipamento para se exercitar.

Conversando com a equipe, descobriu que eles também se sentiam mais animados com o trabalho e comentaram que passaram a ter tempo para exercícios, estar com a família, orar, meditar e curtir hobbies. Um deles até confessou que, de vez em quando, tirava uma soneca após o almoço.

Diziam que quando estavam trabalhando, estavam focados, sem usar o tempo de trabalho para ver mídias sociais.

Como João aprimorou seu processo de delegação, dando mais liberdade para sua equipe e acompanhando a produtividade por meio de ferramentas como o Slack e Trello, ele conseguiu conferir que era isso mesmo: estavam trabalhando melhor que nunca!

Entre nós, vamos falar a verdade, quem acreditava que a maioria das pessoas estava realmente trabalhando oito horas seguidas no escritório?

E assim, a velha máxima do futebol que “em time que está ganhando não se mexe” foi rompida.

Até então, a maioria dos empregadores não via razão para testar novos modelos para organizar o trabalho.

E viam muitas razões para isso, pois associavam presença com comprometimento, temiam falhas nos prazos e na disponibilidade para atendimento aos clientes finais e, claro, desejavam participantes nas reuniões, participantes nas reuniões para preparar as reuniões e participantes nas reuniões de debriefing das reuniões realizadas.

Como resultado, era comum recompensar melhor aqueles que passam mais horas no escritório, ao invés de reconhecer aqueles com melhores entregas.

Com a obrigatoriedade do trabalho remoto, vimos que os clientes continuavam sendo atendidos e, como na equipe do João temos muitos relatos em que a qualidade e o tempo de entrega melhoraram, pois, no home office as pessoas finalmente conseguiam escapar das reuniões e priorizar suas atividades.

A transição que temos que ter mente é que o trabalho deixou de ser o local, o endereço, onde você tem que estar, voltou a ser a atividade que você faz.

Novamente, só entre nós, até temos empregadores calculando a economia que terão ao reduzir o espaço de seus escritórios.

Mas e agora, com o final das restrições sanitárias, como ficamos?

Cada empresa deve avaliar e determinar o modelo de trabalho mais adequado ao seu sistema, mas deve também estar preparada para lidar com o impacto do caminho que escolher.

Retornar ao modelo anterior, com suas horas improdutivas, seja nos deslocamentos, seja nas atividades da empresa, como reuniões e cafezinhos, parece uma opção que pode gerar conflito com trabalhadores que perceberam as vantagens de ter mais tempo para si e suas famílias.

Por outro lado, a escolha de um modelo híbrido de trabalho deve ser feita após se mapear e endereçar soluções para os principais problemas identificados no trabalho remoto durante a pandemia.

Uma das dificuldades identificadas por João foi a necessidade de ser mais claro ao comunicar suas expectativas para a equipe, o que fez com que, enfim, ele colocasse em prática a tal da meta SMART que havia aprendido em um curso de planejamento.

Agora, quando necessita de algo, João passou a ser mais assertivo em suas demandas contextualizando e definindo prazo para as entregas, por exemplo: “Para auxiliar os programadores e o cliente no uso e entendimento do software, envie para mim, até às 14 horas desta quinta-feira, a documentação de nossa última sprint, incluindo um checklist para cada história que foi desenvolvida.”

Também foi necessário criar rotinas, especialmente com seu gestor. Como as trocas de mensagem costumavam ir bem após o horário do expediente, ele combinou com o gestor uma mensagem de final do dia, sinalizando que tudo estava andando bem e que iria ver novas mensagens apenas no dia seguinte.

Adicionalmente, João conseguiu excluir da agenda reuniões que impactavam o trabalho dele e da equipe e, para isso, combinou com seu gestor que as terças e quartas eram dias exclusivos para trabalhar, sem reuniões agendadas.

Por fim, com um modelo em que a volta ao escritório será em alguns dias específicos da semana, João e seu gestor decidiram que ao menos em um desses dias, ambos devem estar na empresa juntos, para fortalecer a conexão entre eles.

A reconstrução da forma de trabalho em busca de um equilíbrio entre o trabalho remoto e a presença no escritório começa por entender que a vida das pessoas envolve o trabalho e não o contrário, ou seja, um novo arranjo deve considerar as restrições corporativas, como cargos, tarefas e projetos, juntamente com as preocupações humanas individuais, como as preferências e necessidades dos funcionários.

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Eduardo Strang.